Sobre o álbum
É com o som de piano que A Montanha Mágica se começa a desenhar perante os nossos ouvidos. Esse primeiro tema do novo álbum de Rodrigo Leão estabelece de imediato o tom para a viagem que se segue: melodias que parecem fazer-se do mesmo tecido dos sonhos e das memórias, rendilhados de cordas capazes de transportar quem os ouve para outro lugar. E assim se faz a magia da música de Rodrigo Leão, ela própria um outro lugar que oferece refúgio e conforto.
O novo álbum de Rodrigo Leão é sobretudo isso mesmo – novo! E para alcançar esse estado de graça e novidade Rodrigo decidiu recuar até uma ideia de infância que se traduz nos títulos – «A praia do Norte», «O Baloiço», «Aviões de Papel» ou, para citar apenas mais um, «O Navio Farol» -, mas também e sobretudo na abordagem musical, nos arranjos. Proeza só ao alcance de quem muito sabe, A Montanha Mágica soa a um tempo diferente e igual, fluído e permanente, difuso como algumas memórias, mas tão real como as palavras impressas num livro. Esse efeito tem origem na pausa que Rodrigo impõe agora ao seu aplaudido Cinema Ensemble para se concentrar no essencial. Neste disco, além de convidados pontuais, escuta-se apenas um trio de cordas – Viviena Tupikova, Bruno Silva e Carlos Tony Gomes em violino, viola e violoncelo, respectivamente – e o acordeão de Celina da Piedade. Claro que esses não são os únicos sons que se desprendem das 12 etapas que compõem a viagem proporcionada pel’ A Montanha Mágica. Rodrigo Leão levanta o véu sobre esse outro mistério dos processos criativos e explica que a ideia de retorno – às memórias de infância, por exemplo – é acompanhada por algumas opções muito concretas: «Fui compondo ao longo de um ano, mas com especial incidência no Verão. Trabalhei em isolamento no Alentejo. Curiosamente», ressalva o compositor, «este trabalho foi sobretudo composto numa planície, mas remete para uma montanha imaginária, para um refúgio, para outra realidade». E essas referências trouxeram consequências práticas: «Veio daí a ideia de voltar às recordações de infância e de adolescência e terá sido esse impulso que justificou que eu voltasse a pegar em instrumentos como o baixo ou a guitarra».
Neste álbum, produzido uma vez mais por Pedro Oliveira e Tiago Lopes, Rodrigo foi explorando as emoções associadas a todas as memórias que o próprio invocou pegando em instrumentos que há muito se encontravam fora da sua esfera de executante, como os já referidos baixos ou guitarras, ou até a bateria, que tocou para daí retirar loops que sustentassem algumas das peças d’A Montanha Mágica. Além de Rodrigo recorrer a outros instrumentos, gesto aliás seguido por Viviena Tupikova ou Celina da Piedade, que alargam a paleta tímbrica com o recurso a instrumentos como o metalofone ou o sintetizador, há ainda que apontar os contributos de convidados como Pedro Wallenstein (contrabaixo), João Eleutério (guitarras), Miguel Nogueira (músico do Quinteto Tati que aqui toca guitarra), Rui Vinagre (em guitarra portuguesa) ou Tó Trips (o guitarrista dos Dead Combo). Todos eles ajudam a tornar as memórias mais nítidas, as melodias mais vívidas e os arranjos mais de acordo com o que Rodrigo escuta na sua cabeça, como se fossem personagens numa história que só ele pode contar.
A Montanha Mágica começou a ser escalada no estúdio depois de uma digressão em que Rodrigo Leão se apresentou em modo instrumental. Na altura do arranque das gravações, concede Rodrigo Leão, havia apenas uma certeza na cabeça do compositor, a de que o novo trabalho deveria seguir numa outra direcção, diferente daquela explorada em A Mãe: «Esse era um disco mais denso, mais complexo, com orquestra. E para o novo trabalho decidi investir numa nova economia». Apesar do estímulo ter sido a digressão instrumental, o novo álbum não se remete unicamente para esse registo e é pontuado pelas importantes participações de Scott Matthew, a voz do belíssimo «Terrible Dawn», Thiago Petit, que canta em «O Fio da Vida» e ainda Miguel Filipe, voz dos Novembro que fecha a viagem com a sua prestação em «O Hibernauta».
O australiano Scott Matthew surge em A Montanha Mágica num gesto já anteriormente ensaiado por Rodrigo Leão, que gosta de seguir as paixões que o tomam de assalto quando certos discos lhe vêm parar às mãos. O cantor gravou em Berlim e é dele a letra profunda de «Terrible Dawn». Já o brasileiro Thiago Petit canta palavras de Ana Carolina em «O Fio da Vida»: «já madruguei nos teus braços», confessa a revelação da canção brasileira sobre um arranjo de beleza delicada que, à semelhança de outros momentos do álbum, nos transporta para outro lugar. Miguel Filipe, que também assina as ilustrações da capa, fecha depois a viagem com o retrato cinemático d’«O Hibernauta», espécie de fado transfigurado, com contributo eléctrico de Tó Trips, que volta a colocar a acção no domínio dos sonhos.
A edição em CD de A Montanha Mágica é acompanhada de um DVD onde se encontra o principio da história que Rodrigo Leão agora nos apresenta. Com o registo de um concerto no Casino Estoril da digressão Instrumental, o compositor dá-nos acesso à gestação das melodias que agora ganharam forma de peças instrumentais e canções n’A Montanha Mágica. Este espectáculo mostra a música de Rodrigo a funcionar num contexto diferente, o mesmo que agora surge a envolver o novo disco.
E é mesmo novo, este novo trabalho de Rodrigo Leão. A Montanha Mágica ergue-se com a força dos sonhos, cruza melodias feitas de memórias e mistério, caixinhas de música guardadas em gavetas secretas, guitarra portuguesa que sublinha uma subtil identidade que é portuguesa mas aplaudida por todo o mundo. É novo, este Rodrigo Leão. E, no entanto, conhecemo-lo tão bem…