Os Portugueses

Os Portugueses

(2018 by UGURU/ Sony Music)

Sobre o álbum Não sei se as canções e as músicas de Rodrigo Leão são de genuína tradição portuguesa. Nem me parece que isso seja o mais interessante. Não sei, aliás, se há uma sonoridade portuguesa com raízes nos costumes e na história longínqua. Mas creio que há sonoridades que ficam portuguesas. Com o tempo [...]

Sobre o álbum

Não sei se as canções e as músicas de Rodrigo Leão são de genuína tradição portuguesa. Nem me parece que isso seja o mais interessante. Não sei, aliás, se há uma sonoridade portuguesa com raízes nos costumes e na história longínqua. Mas creio que há sonoridades que ficam portuguesas. Com o tempo e o hábito, com a maneira como pessoas, grupos e gerações se apropriam de uma música e a fazem sua. A música mais banal limita-se a reproduzir e a continuar. A melhor música cria uma identidade.

Parece-me ser este o caso de Rodrigo Leão, muito especialmente das músicas escolhidas para estes dois CD, “Os Portugueses” e “Portugal, Um retrato social”. É hoje frequente ouvir, na rádio e na televisão, documentários, informações, promoções e até publicidade que usam bandas sonoras daquelas ou mesmo até só acordes e breves melodias que imediatamente se reconhecem. “Vida tão estranha”, “O Pastor”, “Gente diferente” ou “As cidades” são hoje de domínio público. E se portuguesas não eram, à partida, portuguesas ficaram. Não será essa a maior prova de identidade e de reconhecimento? Na verdade, se não se ajustassem, não haveria esse encontro, não ficariam portuguesas, como acontece a tantas outras músicas que reclamam uma identidade.

Na música de Rodrigo Leão, na música que ele escolheu para este álbum, há uma melancolia estranha feita de ternura e de saudade. Foi essa linguagem que Rodrigo Leão utilizou e tão bem adequou ao país. Era portuguesa de origem? Não sei. Mas sei que é portuguesa à chegada. Por isso os títulos que escolheu para os álbuns são felizes. Em certo sentido, é a identidade portuguesa que fica a dever algo a Rodrigo Leão. Não será esse um traço especial de valor criativo? Não será essa a melhor maneira de interpretar a sua comunidade, de sentir a sua gente? Dar corpo, som e melodia a algo que os seus contemporâneos ainda não sentem, mas que em breve adoptarão? Que ainda não compreendem, mas logo sentirão?

É verdade que há qualquer coisa de nosso, na sua “Estranha forma de vida”, logo a recordar-nos outras… Que “Nós e os outros” traduz com brilho a justaposição de várias tradições, a lembrar a origem mestiça dos portugueses… Que a melodia de “A escola” nos leva à doçura tão inquieta daquela instituição… Que a ironia de “O café dos imigrantes” nos conduz directamente à aldeia e a Paris… Que o claro escuro de “Os Portugueses” faz combinar, com mestria, a melodia serena com o ritmo sincopado… Que há mais melancolia aqui do que no fado… Mas que também há aqui mais alegria do que no fado…

Sei que ao Rodrigo Leão e ao “Portugal, Um retrato social” me ligam laços especiais. Mesmo que não fosse assim, o meu apreço por esta música tão especial e tão atenta à nossa vida quotidiana, seria o mesmo. De comovida admiração.